Andam por aí alguns diretores escolares muito incomodados com uma corrente de opinião que considera que, face à escassez de professores, bem que podiam os diretores ter uma turma.

Todos sabemos que o problema da falta de professores passa por outras questões que implicam medidas estruturais de revitalização da carreira, com a criação de medidas geradoras de atratividade, que vão demorar anos a surtir os seus efeitos, mas que têm de ser levadas a cabo no imediato. Esta não resolveria o problema, mas serviria para demonstrar o exemplo que é pedido aos docentes quando lhes atribuem horas extraordinárias e mantê-los-ia perto da realidade de sala de aula de que muitos já estão ausentes há décadas.

Revolta os diretores que o comum dos professores não entenda a responsabilidade e a magnitude do cargo que desempenham, embora se esqueçam de mencionar que se candidataram ao lugar, recebem suplemento remuneratório e que raros querem regressar ao seu anterior papel de professor terminados os seus mandatos (até ao limite de 4).

Nos meus quase 40 anos de serviço, vi diretores muito bons, que nunca esqueceram que eram professores e não meros gestores de recursos humanos e financeiros, reconhecendo e valorizando os limites e as competências funcionais da sua profissão, respeitando os seus colegas. Mas também alguns muito maus que se encostaram ao poder político e o usaram para se promover e perseguir professores em nome de interesses que nada tinham de pedagógico ou de ação social humanitária.

Estes últimos conheci-os quando a contaminação aconteceu e as fronteiras entre as escolas e as autarquias se esbateram, dando às últimas poder de decisão em órgãos como o Conselho Geral. Os poucos que vi recusar esta contaminação foram exonerados ou demitiram-se. E, pasme-se, muita da opinião pública que fica surpreendida quando ouve dizer que há direções que pedem aos professores que sejam parcos na utilização do papel higiénico, porque a estes últimos – aos que se recusam a deixar entrar a política pelo espaço do que deveria ser eminentemente pedagógico – será negado e atrasado o pagamento destas contas de necessidades básicas por parte das autarquias e isso diz tudo sobre todo o resto, que é o essencial.

A escola é um espaço político, na medida em que replica as pulsões sociais e é onde se ensinam os valores que permitem desenvolver o pensamento crítico e assumir e defender ideais de liberdade, responsabilidade e humanidade; mas não é – nem pode ser – um espaço partidário, de defesa de cores políticas e perseguição aos que, democraticamente, instituem espaços de reflexão diferentes dos que detêm o poder.

Tenho, por isso, alguma incapacidade para entender todos os diretores professores que se encostam ao poder político para prosseguir caminho nas suas carreiras. Será interessante percorrer as listas candidatas às próximas eleições autárquicas e verificar a quantidade de diretores que constam delas e até aqueles que, de anteriores campanhas, se encontram agora em funções, quando a lei refere o caráter de exclusividade em que devem manter o desempenho do seu cargo de diretores.

Serão estes seres mutantes que se adaptaram e entenderam que já não é possível à escola sobreviver sem esta contaminação? É que parece-me mais lógico que, face à escassez de professores qualificados e ao facto de terem tempo para outras funções, estes optassem por assumir uma turma, dando continuidade à pulsão pedagógica que anima intrinsecamente qualquer professor. Existe, aliás, um ou dois (num universo de cerca de 800), que já começaram a dar o exemplo, provando que afinal é possível continuar a ser professor, apesar de ser diretor.

Por isso, perdoem-me as falsas virgens ofendidas, mas perante esta “sobrequalificação” de tantos diretores, não consigo compreender como pode o MECI (Ministério da Educação, Ciência e Inovação) desperdiçar o recurso de um diretor, face ao deserto em que se está a tornar a Escola Pública.

A menos que já tenha assumido o seu carácter híbrido, a caminho de um outro ser que está longe de ser professor.

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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