Sem planejamento urbano e com investimentos irrisórios em drenagem, Manaus vive há quatro décadas o mesmo roteiro: chove, alaga, destrói e promete-se consertar.
Quando chove forte, Manaus revela seu retrato mais cruel: uma capital que insiste em tratar tragédias previsíveis como surpresas naturais.
Ruas viram rios, casas são invadidas e avenidas recém-asfaltadas se dissolvem em horas.
A causa é conhecida há décadas — ausência de investimento real em drenagem urbana —, mas as gestões municipais preferem o marketing das obras rápidas à engenharia das soluções definitivas.
Quarenta anos de esquecimento subterrâneo
Desde os anos 1980, o subsolo de Manaus não vê um plano de drenagem digno do nome. As galerias pluviais são as mesmas de meio século atrás, entupidas ou destruídas por falta de manutenção.
A cidade cresceu em todas as direções, mas o sistema de escoamento ficou parado no tempo — sem ampliação, monitoramento ou integração com os igarapés.
A urbanização avançou sobre cursos d’água e áreas alagadiças, enterrando os canais naturais e transferindo o problema da floresta para o asfalto.
Engenheiros alertam há anos: Manaus não precisa de mais asfalto, precisa de drenagem. Mas o poder público insiste em tapar buracos, não em planejar o futuro.
Lixo, desordem e o colapso diário
O lixo descartado irregularmente entope bueiros e canaletas, transformando cada chuva em espetáculo de caos.
Mas culpar apenas a população é simplificar demais: sem coleta eficiente, fiscalização ou educação ambiental consistente, o resultado é inevitável.
O problema virou crônico porque a prefeitura atua sempre depois do desastre, nunca antes. Cada gestão repete o ciclo da omissão: promessas, planos e silêncio até a próxima enchente.
O rio Negro como cúmplice involuntário
Durante a cheia, o rio Negro sobe e impede o escoamento das galerias, fazendo a água voltar pelas bocas de lobo.
É um fenômeno natural, mas agravado por obras improvisadas e ausência de engenharia hidráulica séria.
Manaus, literalmente, se afoga em sua própria incompetência administrativa. O que falta não é diagnóstico — é coragem política
As soluções são conhecidas:
Recuperar e desobstruir os igarapés;
Implantar reservatórios subterrâneos (os “piscinões”);
Modernizar as galerias pluviais;
Controlar a impermeabilização urbana e investir em áreas verdes.
Mas nada disso sai do papel porque planejamento urbano não rende voto imediato. Prefeitos preferem tapar buracos com retroescavadeiras e slogans, enquanto o subsolo segue esquecido.
O preço da omissão
Resolver os alagamentos em Manaus exigiria investimentos de longo prazo — estimados em R$ 3 bilhões, segundo estudos da própria prefeitura.
Mas o custo político de encarar o problema é maior do que o das manchetes com carros boiando. E assim, há 40 anos,
Manaus vive sob a chuva como se fosse a primeira vez, embora todos saibam que é apenas o resultado previsível de décadas de descuido e desinteresse.
Enquanto a cidade continua alagando, o poder público continua drenando — mas o que escoa não é água: é responsabilidade.