A projeção ocorre em meio às discussões sobre a exploração de petróleo planejada pela Petrobras na chamada Margem Equatorial (Reprodução/Instituto Bioma)
01 de outubro de 2025
Fred Santana – Da Cenarium
MANAUS (AM) – Um estudo publicado nesta quarta-feira, 1°, na revista Nature Sustainability projeta que um possível acidente ambiental com vazamento de petróleo na Foz do Rio Amazonas poderia espalhar mancha de óleo por até 132 quilômetros em 72 horas. A pesquisa foi conduzida por cientistas da Universidade Federal do Amapá (Unifap), Universidade Estadual do Amapá (UEAP), Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e parceiros internacionais.
A projeção, que também alerta para riscos à biodiversidade marinha, às áreas protegidas e às populações tradicionais que dependem dos recursos naturais da região, ocorre em meio às discussões sobre a exploração de petróleo planejada pela Petrobras na chamada Margem Equatorial, na costa do Estado do Amapá. Organizações que atuam em defesa do meio ambiente são contra o empreendimento, que, segundo o estudo, pode gerar impactos ambientais e sociais de grandes proporções.
Os cientistas utilizaram modelos de simulação que consideram fatores como a vazão do Rio Amazonas, marés, correntes marítimas, ventos e características da costa. As projeções indicam que uma mancha de óleo em possível acidente comprometeria ecossistemas frágeis, incluindo manguezais e zonas úmidas costeiras. O abastecimento de água em cidades litorâneas também poderia ser afetado.
Os pesquisadores ressaltam que o licenciamento ambiental atual foca na capacidade de resgate da fauna em caso de acidentes, mas não enfrenta a questão central: como conter um vazamento em um poço de 2,88 quilômetros de profundidade, sujeito a correntes oceânicas complexas. Para efeito de comparação, o desastre no Golfo do México, em 2010, ocorreu em 1,5 quilômetro de profundidade e levou mais de cinco meses para ser controlado.
“Enquanto o licenciamento ambiental se concentra na capacidade da empresa petrolífera estatal de resgatar a vida selvagem marinha em caso de derramamento, a questão muito mais fundamental é a capacidade de tapar um vazamento, caso ocorra”, explica o pesquisador Philip Fearnside, do Inpa, um dos autores do estudo. “A experiência com royalties do pré-sal e outros casos recentes mostra isso”, disse Fearnside à CENARIUM.
Além dos impactos ambientais, o estudo aponta para riscos socioeconômicos. O Amapá, com mais de 700 mil habitantes, abriga comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas que dependem da pesca artesanal e da coleta de produtos florestais.
A cadeia do açaí, concentrada na região da Foz do Amazonas, movimentou mais de R$ 6 bilhões em 2023, valor que poderia ser diretamente comprometido em caso de contaminação. O episódio do derramamento de óleo que atingiu a costa do Nordeste brasileiro em 2019 é lembrado como referência para dimensionar as possíveis consequências.
Benefícios discutíveis
Outro alerta diz respeito à promessa de que a arrecadação com petróleo resultaria em benefícios sociais e no financiamento da transição energética. O artigo lembra que, em experiências anteriores, os royalties contribuíram para o aumento da desigualdade e não trouxeram melhorias sustentáveis. Além disso, o cenário global de combate às mudanças climáticas deve reduzir a demanda por combustíveis fósseis nos próximos anos, limitando a viabilidade econômica do projeto.

“A exploração de petróleo é algo temporário. O mundo inteiro, incluindo o Brasil, precisa parar logo de usar petróleo como combustível para evitar uma catástrofe climática que dizimaria o Brasil, inclusive o Amapá”, alerta Philip Fearnside.
Como alternativa, os pesquisadores destacam o potencial solar do Amapá, que poderia gerar cinquenta vezes mais energia do que a população consome hoje utilizando apenas 1% do território estadual. Outras possibilidades incluem o fortalecimento da bioeconomia, com a agregação de valor a produtos como o açaí e a andiroba, e o incentivo ao turismo comunitário.
Testes acontecendo
Atualmente, o plano de exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas está sendo submetido a testes exigidos pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que têm como foco avaliar a capacidade da Petrobras de responder a situações de emergência. Entre os pontos mais críticos está o resgate de animais oleados, um protocolo que busca garantir a sobrevivência de espécies marinhas e costeiras em caso de derramamento de óleo.

Em simulações recentes, fiscais identificaram falhas como embarcações presas em redes, uso inadequado de equipamentos e improvisos que não atenderiam a cenários reais de desastre. Esses problemas reforçaram a avaliação de que, apesar dos planos apresentados em papel, a resposta prática ainda não é suficiente para lidar com a complexidade da região.
O resgate da fauna é especialmente sensível no Amapá porque envolve ecossistemas diversos – como manguezais, áreas de desova de tartarugas e rotas de aves migratórias – além de espécies emblemáticas como peixes-boi e botos. Nessas áreas, um acidente poderia comprometer não apenas a biodiversidade, mas também atividades de subsistência de comunidades ribeirinhas, indígenas e quilombolas que dependem diretamente da pesca artesanal.