Uma vida de medo constante é exposta na ação civil pública movida contra a mineradora Kinross pelos quilombolas e moradores dos bairros Alto da Colina e Bela Vista II, em Paracatu (MG), no Noroeste do estado. O temor se refere sobretudo ao estado de segurança e possível risco de rompimento da Barragem Eustáquio, que abriga rejeitos da companhia.

As comunidades destacam que se situação se deve ao fato de já terem sido encontradas fissuras e trincas que acabaram sendo reparadas na estrutura. Mas também pela lembrança do desespero devido ao acionamento em falso das sirenes de evacuação, em 2021.

As explosões constantes na mina também afetam estruturas de casas e construções, provocando trincas e rachaduras, segundo relatos de moradores. E abalam também seu estado psicológico, uma vez que ocorrem diariamente, especificamente às 15h30, sendo apelidadas de “bomba das três e meia”.

“A mineradora teria de tirar a população e realocar em casas pagas por eles, mas nada disso foi feito. O dano psicológico e a angústia são muito evidentes. Muitos reclamam da intimidação dos seguranças da empresa, que não permitem gado nas suas terras, fecham acessos, estradas e perseguem com truculência as pessoas. Quando estivemos lá, fomos acompanhados por carros suspeitos. Nesse dia, não ocorreu a explosão”, afirma o advogado Guilherme Dolabella, do escritório Barreto/Dolabella, que representa moradores e suas associações nas ações movidas contra a companhia.

Avanço sobre a história

“Primeiro, veio a revolta de ver essa barragem cheia de veneno em mais da metade do território que era dos nossos avós. Minha avó chorava sempre. A gente viu se perder a cultura, as tradições. Lá tinha festa de folia, festa de São João, cavalgada…”, relata Claudinês Lopes, presidente da Associação dos Quilombolas do Machadinho (Aquima).

“Além disso, tem a situação péssima de vida nos bairros para onde muitas pessoas foram. No Alto da Colina, que é o bairro mais próximo de lá, eles colocaram um muro, mas, mesmo assim, os impactos, rachaduras, a poeira… Tudo é um pesadelo”, considera Lopes.

A Barragem Eustáquio é formada por dois diques selantes e começou a operar em 4 de janeiro de 2010, após o reconhecimento do território quilombola. Os rejeitos passam por trituração, separação por gravidade, peneiramento e processos químicos. A represa de rejeitos ocupa mil hectares (ha), dos 1.152 ha de área com estruturas minerárias dentro dos 2.200 ha de terreno quilombola.

Aquíferos poluídos

Um dos pontos ao centro da Barragem Eustáquio foi considerado pela Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) de alta vulnerabilidade natural à contaminação de aquíferos – ou seja, pontos em que a água subterrânea está mais sujeita a ser poluída. O restante da área foi considerado de média de vulnerabilidade.

A 230 metros da barragem, próximo ao Córrego Rapadura, a Feam identificou áreas contaminadas que constam como estando sob intervenção por “descarte e deposição de resíduos” provocando “contaminação das águas subterrâneas por arsênio”.

No Quilombo do Machadinho há vários mananciais sob influência da mineração. Um dos córregos da porção Sul, por exemplo, percorre 2 quilômetros dentro da área delimitada para o quilombo e a deixa, seguindo mais um quilômetro e meio até chegar ao Córrego Espalha.

O Espalha é um dos principais afluentes do alto Córrego Rico, manancial que também vem de dentro da mineração, margeando o bairro atingido Bela Vista II. O curso d’água atravessa o centro urbano de Paracatu, áreas rurais e de matas, em uma viagem de 86 quilômetros ao longo da qual recebe diretamente 21 contribuições significativas e deságua diretamente no Rio Paracatu.

Na parte Norte do território quilombola, o Córrego do Eustáquio forma a barragem de mesmo nome, recebendo duas contribuições principais, de um manancial dentro da área em demarcação e de outro que vem da mineração, formado na Barragem Tanque Específico XII de rejeitos classe 1 (perigosos) e alto potencial de dano ambiental.

Depois de deixar a barragem, o córrego segue por 2 quilômetros até desembocar no Ribeirão Santa Rita. Ali, antes do povoado de Lagoa e da confluência com o Ribeirão São Pedro, a taxa de contaminação por metais pesados medida entre 2021 e 2023 pela Feam é considerada média.

Esse manancial segue por 25 quilômetros até a confluência com o Ribeirão São Pedro, de lá por mais 74 quilômetros até o Ribeirão Entre Ribeiros, que deságua no Rio Paracatu 67 quilômetros depois.

Conflitos hídricos

Praticamente 85% do território quilombola se encontra em área considerada de conflito por uso de recursos hídricos superficiais (córregos e ribeirões) das sub-bacias do Ribeirão São Pedro e Ribeirão Santa Rita. O comprometimento superou a disponibilidade de águas subterrâneas. Por esse motivo, o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) não permite novas captações, sendo a área considerada de restrição e controle de águas subterrâneas.

Árvores também na lista de extinção ainda ocorrem no Quilombo do Machadinho. Entre elas o baruzeiro (Dipteryx alata), nativo do cerrado e ameaçado na categoria vulnerável, segundo a Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN), devido à extração predatória de madeira e a perda dos hábitats.

A planta tem copa densa, podendo alcançar mais de 20 metros de altura. O seu fruto é protegido por uma dura casca, chama-se baru ou cumbaru e tem uma amêndoa apreciada pelos povos do bioma, mas que é cada vez mais rara.

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A garapa, grapiá, garapeira ou amarelinho (Apuleia leiocarpa) também ocorre por lá – uma árvore que chega a 25 metros de altura e está na lista oficial de espécies ameaçadas de extinção do Ministério do Meio Ambiente. A madeira é usada na construção civil e é difícil de serrar, aplainar e polir. A casca é usada para curtir couro.

Animais ameaçados

Dentro da área de 1.048 hectares (ha) do Quilombo do Machadinho ainda não tomada pela mineração, um total de 519,5 ha (49,5%) são vegetados, sendo 221,25 ha de formação de cerrado, 200 ha de mata atlântica e 98,3 ha de campos. Nesse ambiente se encontra uma espécie de lagarto (Heterodactylus lundii) endêmico e classificado como “vulnerável” na lista de espécies brasileiras ameaçadas de extinção. Destacam-se também 13 espécies de grandes mamíferos em diversas categorias de ameaça de extinção: anta, cachorro-do-mato-vinagre, cateto, cotia, jaguatirica, jaguarundi, lobo-guará, lontra, onça-pintada, raposinha, tamanduá-bandeira, tatu-canastra, veado-campeiro e veado-mateiro.

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By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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