Por trás da beleza natural que encanta turistas e moradores, a Baía de Guanabara, um dos maiores patrimônios ambientais e culturais do Brasil, revela uma realidade complexa. O que deveria ser sinônimo de vida, lazer e economia sustentável, hoje enfrenta um desequilíbrio ecológico grave. A baía que moldou parte da história do Rio de Janeiro está dividida entre pontos que demonstram avanços ambientais e áreas que seguem marcadas por lixo, esgoto e abandono.
Uma série especial exibida pelo telejornal RJ2, da TV Globo, mergulhou nos diferentes cenários da Baía de Guanabara e mostrou o estado atual de um dos ecossistemas mais importantes do país.
Ilha do Fundão
A primeira parada da equipe foi a Praia do Catalão, na Ilha do Fundão. A paisagem, que deveria atrair banhistas e amantes da natureza, hoje é dominada por lixo, especialmente resíduos plásticos. O material, que pode levar mais de quatro séculos para se decompor, se acumula na areia e nas margens da baía. Entre os detritos, cenas alarmantes: uma tartaruga marinha morta, supostamente por ingestão de plástico, boiava próxima à margem.


Essa contaminação não afeta apenas a vida visível da baía. Os microplásticos, resultado da fragmentação desses resíduos, já foram identificados em peixes, moluscos e crustáceos, afetando toda a cadeia alimentar marinha. Isso significa que o lixo descartado de forma irresponsável pode acabar no prato de quem consome frutos do mar.
Baía Viva
Durante o trajeto percorrido com integrantes da ONG Baía Viva, fundada há mais de 20 anos com foco na proteção da Baía de Guanabara, os jornalistas registraram diversos impactos visíveis da poluição. Em um trecho próximo à Ilha do Governador, o motor da embarcação parou de funcionar por causa de um pedaço de plástico que ficou preso no sistema. Mais adiante, a água espessa e com espuma denunciava a presença de esgoto.
Segundo o coordenador da ONG, Sérgio Ricardo, essa é apenas a superfície de um problema muito mais profundo: “É um desperdício enorme. A Baía de Guanabara poderia garantir pesca, turismo e saúde para milhões de pessoas. Mas décadas de abandono a deixaram doente”, afirmou.
Avanços existem, mas ainda são insuficientes
Apesar do cenário desanimador, a reportagem também destacou iniciativas que indicam uma possível reviravolta ambiental. A concessionária Águas do Rio, responsável por parte do sistema de saneamento da região metropolitana, afirma que seis estações de tratamento de esgoto já estão em operação no entorno da baía.
De acordo com a empresa, desde o início da concessão, em 2021, cerca de 114 milhões de litros de esgoto por dia deixaram de ser lançados diretamente nas águas da baía. A meta é universalizar o tratamento de esgoto até 2033, o que poderia significar um divisor de águas na recuperação do ecossistema.
Entretanto, o desafio é gigantesco. Embora áreas como Paquetá já contem com cobertura completa de esgoto, a própria concessionária reconhece que as correntes marítimas arrastam a poluição de regiões ainda sem tratamento adequado.
Crise atinge quem vive da baía
Para além do impacto ambiental, a degradação da Baía de Guanabara tem reflexos diretos na economia local e no modo de vida de comunidades que vivem da pesca e do turismo. Em São Gonçalo, na Praia das Pedrinhas, pescadores relatam redução nas capturas e presença constante de óleo nas redes. A desconfiança sobre a qualidade do pescado também afeta as vendas.
Em Paquetá, comerciantes também sentem os efeitos do descaso. Com o mau cheiro e a água turva, turistas diminuíram significativamente nos últimos anos. Restaurantes e pousadas enfrentam quedas nas reservas, mesmo em feriados e fins de semana prolongados.
Outro retrato do abandono é o crescente número de embarcações largadas na baía. Um relatório recente da Capitania dos Portos contabiliza mais de 80 barcos abandonados. Esses “barcos fantasmas” são verdadeiras bombas-relógio ambientais: muitos têm cascos corroídos e tanques com restos de combustíveis, que podem vazar a qualquer momento, contaminando ainda mais o ecossistema. Além disso, essas embarcações representam risco à navegação e ao turismo náutico.
A baía que ainda pode renascer
Mesmo diante de um cenário tão preocupante, há quem acredite que a Baía de Guanabara ainda pode ser salva. Projetos de reflorestamento de manguezais, recuperação de nascentes e educação ambiental em comunidades ribeirinhas têm mostrado resultados positivos em áreas específicas. Para que esses esforços se tornem duradouros, no entanto, é necessário investimento contínuo, fiscalização rígida e engajamento do poder público e da sociedade civil.