Estudo aponta poluição por nitrogênio e fósforo ligada ao uso do solo e à falta de saneamento
A água do Rio Igarapé-Açu, no município de Capanema, nordeste do Pará, apresenta níveis de contaminação que a tornam imprópria para consumo humano. A conclusão é de um estudo realizado entre 2020 e 2021 e publicado em 2025, que analisou a presença de compostos de nitrogênio e fósforo em diferentes pontos da bacia hidrográfica. Os resultados mostraram concentrações muito acima dos limites estabelecidos pela Resolução 357/2005 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), revelando riscos tanto para a saúde da população quanto para a fauna aquática.
De acordo com Antonio Silva, da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), as análises identificaram excesso de nitrogênio total, nitrato, fósforo total, fosfato e ortofosfato. “Em alguns casos, explica Silva, os valores registrados ultrapassaram em dezenas de vezes os parâmetros legais. O problema está diretamente relacionado às práticas de uso do solo na região: predominância de pastagens, agricultura tradicional baseada em corte e queima da vegetação, uso intensivo de fertilizantes e ausência de saneamento básico. Além disso, a perda de solo por erosão, intensificada pelas chuvas fortes da região, carrega sedimentos e nutrientes para o rio, agravando a contaminação”, destaca ele.
Ainda segundo Silva, as fontes de poluição incluem esgoto doméstico não tratado, lixões a céu aberto, resíduos de casas de farinha – especialmente a manipueira, subproduto da mandioca que contém substâncias tóxicas – e adubação agrícola. Esses fatores explicam as altas concentrações de nutrientes encontradas na água. Em um dos pontos de coleta, a quantidade de fósforo foi quase 80 vezes superior ao permitido pela legislação ambiental.
O mapeamento do uso e cobertura da terra da bacia hidrográfica mostrou que 48% da área é ocupada por pastagens, 26% por vegetação secundária, 15% por floresta e apenas 7% por agricultura. Apesar da baixa presença de lavouras, as atividades agropecuárias, associadas ao desmatamento de áreas de preservação permanente e à fragilidade natural dos solos, estão entre os principais vetores de degradação da qualidade da água.
Marco Gomes, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, explica que o estudo foi realizado no âmbito de um projeto da Embrapa voltado à valoração de serviços ecossistêmicos na Amazônia. A iniciativa busca quantificar a provisão de água em qualidade e quantidade, contribuindo para o desenvolvimento de políticas públicas e práticas de manejo mais sustentáveis.
O pesquisador alerta que a situação da Bacia do Rio Igarapé-Açu evidencia a urgência de medidas estruturais, como o fortalecimento do saneamento básico rural, a recuperação de áreas degradadas, a proteção das matas ciliares e a adoção de técnicas agrícolas conservacionistas.
O quadro se insere em uma contradição típica da Amazônia: abundância de água em quantidade, mas dificuldade de acesso à água potável, sobretudo para comunidades rurais e ribeirinhas. No caso do Igarapé-Açu, a contaminação por nitrogênio e fósforo é um indicador claro de que o modelo atual de ocupação e manejo do solo precisa ser revisto para garantir a segurança hídrica.
De acordo com o levantamento, a bacia apresenta vulnerabilidade ambiental de média a alta. Com quase metade da área ocupada por pastagens e sujeita a intensas chuvas anuais – superiores a 2 mil milímetros –, a região tem condições que favorecem o escoamento superficial, a erosão e o transporte de sedimentos para os cursos d’água. Esses processos intensificam o aporte de nutrientes que, em excesso, provocam a eutrofização da água, afetando a biodiversidade aquática e dificultando o uso humano sem tratamento adequado.
O trabalho reforça a importância do monitoramento permanente da qualidade da água em bacias hidrográficas amazônicas, tanto para subsidiar políticas públicas quanto para orientar práticas agrícolas mais responsáveis. A recuperação ambiental e a valorização dos serviços ecossistêmicos são apontadas como caminhos para conciliar a produção agrícola com a conservação dos recursos hídricos.
Em síntese, o caso do Rio Igarapé-Açu expõe um desafio central da região: como assegurar água de qualidade para comunidades locais em um território onde a pressão sobre o solo e a falta de saneamento colocam em risco a sustentabilidade ambiental e a saúde pública.
Os autores do estudo são Antonio Silva e Pedro de Sousa Junior, UFRA, Marco Gomes, Embrapa Meio Ambiente, Sérgio Tôsto e Carlos Quartaroli, Embrapa Territorial, Anderson Pereira e Lauro Pereira, Embrapa Meio Ambiente, Orivan Teixeira, Embrapa Amazônia Oriental, que está disponível aqui.