O Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) apresentou réplica à contestação do Município de Porto Alegre na ação civil pública que trata da responsabilização pelos danos causados pela cheia histórica que atingiu a Capital em maio de 2024. A manifestação do MPRS reafirma os fundamentos da ação ajuizada em março e desmonta ponto a ponto os argumentos apresentados pela defesa municipal, reforçando a tese de omissão do poder público local na gestão do Sistema de Proteção contra Cheias (SPC-POA).
Na réplica, o Ministério Público destaca que a responsabilidade pela administração, manutenção e modernização do SPC-POA é integralmente do Município desde 1990, quando a União transferiu a gestão do sistema após a extinção do Departamento Nacional de Obras e Serviço. Desde então, o Município exerce essa função de forma exclusiva, sem qualquer contestação pública — inclusive após o desastre de 2024 — o que, segundo o MP, invalida a tentativa da Prefeitura de atribuir a responsabilidade à União.
Outro ponto central da manifestação é a rejeição da tese de força maior. O MPRS argumenta que o evento não foi imprevisível, já que Porto Alegre já havia enfrentado uma grande inundação em 1941 e outras duas em 2023, o que deveria ter alertado o poder público para o risco iminente. Além disso, a cheia de 2024 não ultrapassou a cota do sistema, mas penetrou nos bairros protegidos devido a falhas estruturais e operacionais, como comportas danificadas, diques rebaixados e bombas inoperantes — falhas atribuídas à negligência da administração municipal.
A réplica também evidencia que, em regiões como o Bairro Sarandi, a superação da cota projetada ocorreu exclusivamente porque houve rebaixamento indevido dos diques para permitir o trânsito de veículos e a construção de moradias. O MP ressalta que, mesmo que essas ocupações tenham começado antes de 1990, o Município teve mais de três décadas para agir e não o fez, o que reforça sua responsabilidade civil.
O Ministério Público ainda aponta que o Município não demonstrou a existência de um órgão técnico capacitado para gerir o SPC-POA, tampouco a adoção de protocolos eficazes de manutenção e monitoramento. A ausência de ações preventivas, mesmo diante de alertas anteriores, e a falta de comprovação de qualquer solicitação de apoio técnico ou financeiro à União, reforçam, segundo o MP, o cenário de negligência generalizada.
Sobre o impacto financeiro da ação, os promotores argumentam que é impossível prever o número de vítimas que buscarão reparação, tornando qualquer estimativa de custo meramente especulativa. Além disso, destacam que a coletivização da demanda por meio da ação civil pública pode, inclusive, reduzir o impacto orçamentário em comparação com a tramitação de milhares de ações individuais.
Por fim, o Ministério Público defende a legitimidade do pedido de indenização por dano moral coletivo, lembrando que a jurisprudência brasileira já reconhece esse tipo de reparação. Também rebate a alegação do Município de que os valores não poderiam ser destinados a um fundo, citando a própria Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85), que prevê essa destinação com gestão compartilhada entre o MPRS e representantes da sociedade civil.