Alfred Dreyfus, um oficial judeu do exército francês, havia sido condenado por traição em 1894 com base em provas forjadas, em um escândalo marcado por antissemitismo e corrupção militar. Este caso foi lembrado por um dos advogados de Jair Bolsonaro em suas alegações finais nesta última quarta-feira, pelas semelhanças que de fato existem. Se o leitor quiser saber melhor quais são, esta Gazeta do Povo publicou um texto explicando.

Mas tem mais no caso Dreyfus que vale a pena relembrar. Émile Zola, já um escritor consagrado aos 57 anos, com obras como Germinal, decidiu intervir na época, escrevendo, em 13 de janeiro de 1898, J’Accuse…!, uma carta aberta ao presidente Félix Faure, acusando diretamente generais, juízes e o governo de encobrir a injustiça. Consciente do que fazia, escreveu: “Ao fazer estas acusações, estou ciente de que me exponho aos artigos 30 e 31 da lei de 29/7/1881 relativa à imprensa, que tornam a difamação um crime punível. Exponho-me a esse risco voluntariamente”.

“Veremos se o que acaba de ser preparado não será mais tarde o mais retumbante dos desastres”

Émile Zola, que defendeu a inocência de Louis Dreyfus em 1898.

A publicação causou um furor imediato. O jornal L’Aurore, onde a carta foi publicada, explodiu de cerca de 30 mil cópias diárias para 300 mil em um dia, um recorde na época. Zola se tornou o centro de um debate nacional: para os dreyfusards (defensores da inocência de Dreyfus), ele era um herói; para os antidreyfusards, um traidor. Mas as consequências foram rápidas e severas. O governo, pressionado pelo exército, processou Zola por difamação, condenando-o a um ano de prisão e uma multa de 3 mil francos. Zola apelou, mas o veredito foi mantido.

Para evitar a prisão, Zola fugiu para a Inglaterra em julho de 1898, vivendo em Londres e arredores sob pseudônimo. Lá, continuou escrevendo, produzindo obras como Fécondité (o primeiro volume de sua série Les Quatre Évangiles), na qual ecoa sua luta por Dreyfus. Retornou a Paris em 1899, com a queda do governo que o condenara, enfrentando boicotes, ameaças e livrarias que recusaram seus livros. Em cartas, escreveu: “A França ainda está dividida, mas a verdade marchará”.

Como se vê, a perseguição contra quem se recusa a aceitar a narrativa oficial também é uma semelhança com nossa situação atual. Mas há outras ainda possíveis que no futuro podem se realizar. Como uma reabilitação tardia de Bolsonaro via anistia política, similar à de Dreyfus em 1906. Dreyfus, que estava degredado na Ilha do Diabo até junho de 1899, foi trazido de volta à França para um novo julgamento, que resultou em uma condenação atenuada, seguida de um perdão presidencial em setembro de 1899. A reabilitação completa de Dreyfus só veio em 1906, com a Corte de Cassação anulando todas as acusações.

Infelizmente, Zola não estava mais vivo para testemunhar o triunfo da verdade, tendo falecido em 1902, vítima de asfixia por monóxido de carbono. Oficialmente, foi um acidente: a chaminé de seu quarto estava obstruída, possivelmente por obras recentes. Ele e a esposa inalaram a fumaça tóxica durante a noite. Ela sobreviveu, mas Zola não. O funeral foi grandioso, com milhares de pessoas, incluindo Dreyfus, prestando homenagem.

Enfim, entre semelhanças já existentes e outras possíveis ainda por vir, há também a forma como boa parte da imprensa tratou o caso à época e como boa parte da imprensa trata o atual. Zola, na mesma carta aberta, acusou a mídia de forma dura: “De fato, é um crime ter confiado nos elementos mais sórdidos da imprensa (…). É um crime mentir para o público, distorcer a opinião pública a extremos insanos a serviço das mais vis maquinações mortíferas”.

Impressiona, não? Mais ainda quando Zola profetizou o futuro em razão do escondimento vergonhoso da verdade. Aqui já não é só semelhança com nossa situação atual, é literalmente a mesma coisa: “Eu já o disse antes e repito agora: quando a verdade é enterrada, ela cresce e acumula tanta força que, no dia em que explode, arrasa tudo com ela. Veremos se o que acaba de ser preparado não será mais tarde o mais retumbante dos desastres”.

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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