Apesar de publicado em 2004, o artigo “The Critical Period of Disasters”, do psicanalista organizacional Mark Stein, soa mais atual do que nunca. Em um tempo marcado por riscos múltiplos — climáticos, reputacionais, tecnológicos e humanos — sua contribuição permanece seminal. Stein não descreve o que acontece após o colapso, mas o que o torna possível. Seu modelo propõe três fases silenciosas, mas cruciais: incubação, período crítico e desfecho (aftermath).
Seu maior legado é a tese de que nenhuma crise empresarial começa de repente. Toda ruptura visível foi, antes, silenciosamente cultivada por negações, pactos simbólicos e decisões não tomadas. O colapso, nesse sentido, é apenas a consequência final de uma longa recusa institucional.
A incubação não é passividade — é negação organizada
O chamado “período de incubação” não é um tempo neutro. Ele é tecido por sinais ignorados, alertas minimizados, problemas banalizados. Nesse intervalo, decisões estratégicas equivocadas são mantidas, indicadores desconfortáveis são deixados de lado, e pactos de conveniência protegem pessoas ou estruturas ineficazes. Trata-se de um tempo de racionalizações sucessivas, falsas continuidades e manutenção do status simbólico a qualquer custo.
Sob a lente da psicodinâmica da vida corporativa — abordagem que venho desenvolvendo ao longo da última década — esse período é sustentado por dinâmicas grupais invisíveis que funcionam como antídotos ao desconforto, neutralizando alertas e travando decisões estratégicas. A organização, em vez de enfrentar a verdade que ameaça seu equilíbrio emocional, passa a operar sob mecanismos inconscientes de fuga: deslocamento da responsabilidade, conformismo grupal, idealização da estabilidade.
Psicodinâmica da vida corporativa é uma abordagem que busca revelar as forças inconscientes, simbólicas e afetivas que moldam decisões, congelam vínculos e travam transformações. |
O “período crítico”: quando tudo está prestes a falhar — mas ainda não falhou
Na sequência, emerge o chamado período crítico. É o momento em que o desastre já está em marcha, mesmo que a superfície ainda aparente normalidade. Os sistemas internos colapsam em silêncio: processos deixam de conversar entre si, vínculos se rompem, decisões se tornam reativas — mas os discursos seguem revestidos de racionalidade. “Está tudo sob controle”, dizem, enquanto a estrutura afunda.
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É uma fase traiçoeira. A janela de contenção ainda existe — mas se estreita rapidamente. A organização perde a capacidade de simbolizar a realidade: ela vê, mas não enxerga; percebe, mas não interpreta. Executivos continuam ocupados com relatórios e reuniões, sem notar que a energia institucional já migrou do campo estratégico para o terreno do pânico difuso.
Desfecho: o preço do silêncio
Por fim, o desastre se materializa: demissões em massa, escândalos reputacionais, fuga de talentos, colapsos operacionais. Stein chama essa fase de aftermath — o desfecho, o luto, a perda material e simbólica.
Mas o ponto mais provocador do modelo é este: o colapso em si não é o mistério principal. A verdadeira pergunta é: por que ele foi permitido?
A psicodinâmica organizacional nos ajuda a enxergar que muitas vezes a antecipação do desastre seria mais ameaçadora do que o desastre em si. Denunciar falhas antigas, desafiar pactos afetivos, romper lealdades tóxicas — tudo isso custa caro emocionalmente. E muitas lideranças preferem pagar o preço do colapso do que encarar a dor simbólica da mudança.
O modelo de Stein como farol para o presente
Num mundo corporativo que ainda prefere ver risco como questão técnica, e não como fenômeno simbólico, o artigo de Stein continua sendo uma leitura obrigatória. Ele exige que líderes olhem para os ciclos silenciosos de suas próprias empresas:
• A fuga de profissionais-chave é aceita como “inevitável” — quando é, na verdade, evitável e estratégica.
• O turnover crescente é romantizado como um “fluxo natural de talentos”, quando na verdade é sintoma de perda de propósito.
• A pandemia silenciosa do desengajamento segue subestimada, mesmo corroendo as bases de confiança da organização.
• A queda de produtividade é coberta por jargões de alta performance, mas os resultados não mentem.
• O burnout é mascarado por dashboards positivos — mas os corpos cansados contam outra história.
• A inércia decisória é rotulada como “prudência”, quando na verdade é medo travestido de cautela.
• A apatia institucional ganha status de maturidade emocional.
• A erosão da confiança interna é tratada como problema de comunicação — e não de liderança.
• A desmotivação sistêmica é rotulada como “falta de perfil”, enquanto o ambiente corrói vínculos.
• O ciclo de retrabalho é atribuído à equipe, quando a raiz está nas decisões mal simbolizadas do topo.
• A síndrome do planejamento eterno paralisa a ação e blinda o status quo com apresentações de PowerPoint.
Incorporar essa lente exige mais do que dashboards. Exige escuta institucional, coragem simbólica e uma liderança capaz de reconhecer que o verdadeiro campo de batalha não é o colapso final — mas o silêncio que o antecede.
A arte perigosa de ignorar segue viva nas empresas. Mas os líderes que desejam evitar o próximo desastre precisam fazer a pergunta certa, antes que ela se torne tarde demais: o que já está incubando aí dentro — e ninguém tem coragem de nomear?
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