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Em 2024, foram 64 milhões de caixas vendidas.

Nada ameaça mais o imaginário masculino do que brochar. Porque, para o homem, falhar ali é falhar em tudo. É ver desmoronar o personagem que ele foi treinado para interpretar desde menino: o macho que domina, que resolve e que sustenta tudo sozinho — inclusive uma ereção.

Não por acaso, o Brasil alcançou o recorde de 64 milhões de caixas de tadalafila vendidas em um único ano. Em 2015, segundo a Anvisa, esse número mal passava dos 3 milhões — ou seja, a venda da pílula contra impotência cresceu 20 vezes em uma década. Para psiquiatras e urologistas, não é uma epidemia de disfunção erétil. É uma epidemia de pavor. Pavor de reprovar no teste do homem viril.

O curioso é que nunca se falou tanto, e com razão, sobre a urgência de uma masculinidade menos encenada, menos controladora, menos obcecada em parecer forte o tempo todo. Mas, ainda assim, basta um tropeço na cama para o cidadão, coitado, não servir mais nem para abrir um pote de palmito. Brochar não é só motivo de vergonha, mas de invalidação: um atestado de que ali, naquela noite, naquele corpo, faltou o que se espera de “um homem de verdade”.

Só que o machismo se sustenta exatamente nessa ilusão — da potência permanente, da autoridade que não hesita, da virilidade como prova de valor. Se a ambição é construir uma sociedade menos machista, não há como fazer isso sem permitir que um homem frustre expectativas. E sem que ele possa admitir medo, insegurança, fragilidade.

Aliás, quando um homem reconhece que é vulnerável, que pode falhar, ele não está apenas sendo honesto consigo mesmo. Está derrubando, por dentro, talvez o pilar mais robusto do patriarcado, que é o mito do macho invencível. Quer dizer: não dá para criticar a lógica do desempenho, do sexo como troféu, do cara que só pensa no próprio prazer e, ao mesmo tempo, cobrar que ele entre em campo a qualquer momento.

Antes que alguém pergunte, é claro que já aconteceu comigo. E é terrível não só por decepcionar quem está junto, mas pela sensação esmagadora de se sentir menos homem. É como se estivéssemos traindo um papel que nos ensinaram desde cedo — porque não pode um homem negar fogo. É como se a existência masculina dependesse disso. Como se falhar fosse deixar de pertencer, de fazer parte do clubinho dos machos.

Talvez, no fim das contas, a pergunta não seja por que tantos homens tomam tadalafila. Mas por que, em 2025, ainda é tão insuportável ver um homem falhar.

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By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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