Lembro bem quando recebemos uma carta do sistema de saúde nos convidando a fazer exames de sangue para verificar a presença de PFAS, porque haviam identificado uma contaminação dos lençóis freáticos. Quando recebemos os resultados, vimos que tínhamos essas substâncias no sangue. O laudo listava nomes de compostos que a gente nunca tinha ouvido falar. Eu, naquele momento, não sabia o que era PFOA, PFOS, nada disso. Mas estava claro que o limite seguro era até 8, e um dos meus filhos tinha 75, o outro 85. Na época, eles tinham 18 e 19 anos. Ficamos completamente desnorteados, porque a gente não sabia o que significava. E o pior: a gente só foi fazer esse teste quatro anos depois de a região ter sido avisada da contaminação. Quatro anos em que seguimos com a nossa vida de sempre, completamente ignorantes do risco. Durante todo esse tempo demos água da torneira em casa, sem saber que estava contaminada. Antes de sabermos dos resultados dos exames, ninguém falava nada. Nem um aviso, nada
Maria Cristina Cola
Foi o resultado do exame de sangue que uniu as mães, que resolveram agir. “A gente não podia ficar parada. Decidimos entrar no processo que estava sendo iniciado contra a Miteni e suas controladoras como parte civil, para mostrar que nós, pessoas comuns, podemos participar e exigir justiça.”
Maria Cristina é advogada, tem familiaridade com leis e com o Código Penal, mas outras mulheres do grupo não. Juntas, enfrentaram a burocracia, a pressão das empresas e o silêncio das instituições. Foi um caminho doloroso e cheio de obstáculos, mas também de solidariedade e esperança.
“Foi como ver Davi derrotar Golias”
Ela lembra que foi preciso muita coragem para desafiar uma multinacional como a Mitsubishi, controladora da Miteni por mais de uma década, e outras gigantes que passaram pela gestão da fábrica. “A gente sabia que era pequeno demais diante deles. Quando decidimos nos constituir como parte civil no processo, já havia uma investigação em curso graças ao trabalho de outras associações, como ISDE, Legambiente e Medicina Democratica. Nosso mérito, talvez, tenha sido mostrar para as pessoas comuns que elas também podiam participar, que não deviam delegar tudo aos ‘de cima’.”
“Eles sabiam da contaminação desde os anos 90, tinham estudos internos, mas escolheram esconder a verdade. A gente ouviu isso no tribunal, e dói saber que a nossa saúde foi desprezada.”
A fábrica da Miteni, inaugurada em 1965, produzia PFOA e PFOS sem qualquer controle ambiental. Documentos internos apreendidos pela polícia ambiental (Noe) mostram que a direção da empresa sabia desde os anos 1990 da gravidade da contaminação.