A REDESCA, liderada pelo Relator Especial Dr. Javier Palummo Lantes, visitou o país, incluindo os municípios mais afetados – como Porto Alegre e o Vale do Taquari – para aprofundar a análise sobre o impacto das inundações e dialogar com representantes da sociedade civil, acadêmicos, pessoas afetadas e autoridades estatais. O relatório resultante evidencia como o desastre afetou as condições de acesso e fruição dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais, e formula uma série de recomendações ao Estado.
Entre elas, destaca-se a necessidade de adotar Soluções baseadas na Natureza (SbN, em espanhol; Nature Based Solutions, em inglês), ou seja, ações, medidas e práticas orientadas à gestão, proteção e restauração de ecossistemas naturais ou modificados. Essas soluções se inspiram ou imitam o funcionamento harmônico e equilibrado da natureza. Como exemplo, o relatório menciona a possibilidade de que as cidades incorporem infraestruturas verdes – como parques, “cidades-esponja”, muros verdes – e infraestruturas azuis – como zonas úmidas e sistemas naturais de drenagem – para aumentar a resiliência diante dos efeitos da mudança climática, como as enchentes.
O documento, elaborado no âmbito do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, cumpre um papel fundamental: tornar visível o impacto desigual das enchentes. Nesse sentido, destaca que aquelas pessoas que já vivem em condições de desigualdade estrutural – como comunidades indígenas, quilombolas, mulheres, crianças e adolescentes, pessoas negras, pessoas com deficiência, pessoas idosas, entre outras – enfrentam uma vulnerabilidade agravada diante de eventos climáticos extremos, que podem se intensificar em questão de horas ou dias. Assim, o relatório menciona a necessidade de combater o racismo ambiental, utilizando a interseccionalidade como ferramenta analítica, que permite compreender como a discriminação e a injustiça racial se agravam diante das inundações.
A vulnerabilidade – do latim vulnus, que significa ferida – representa um risco concreto de violação ou afetação dos direitos humanos. Seja em sua dimensão individual (como pessoa) ou coletiva (como grupo), a análise das vulnerabilidades existentes e emergentes no contexto de um desastre ambiental exige dos Estados uma sensibilidade diferenciada. Isso implica, antes de tudo, reconhecer tal vulnerabilidade e adotar medidas positivas para efetivar os direitos humanos (com uma proteção especial, se for o caso).
As inundações no Rio Grande do Sul evidenciam, como aponta o relatório da REDESCA, que o direito a um meio ambiente saudável, o direito à educação, o direito à água, o direito à saúde, o direito à moradia adequada, o direito à alimentação (incluindo a segurança alimentar) e o direito ao trabalho são afetados em situações de emergência climática, especialmente de maneira restritiva para pessoas em situação de vulnerabilidade. Soma-se a isso a exposição a diversas formas de violência, especialmente a violência sexual, enfrentada por mulheres, meninas e adolescentes.
O relatório enfatiza a urgência de desenhar e implementar, nesses contextos, respostas com perspectiva de gênero, reconhecendo que mulheres e meninas estão expostas a riscos específicos durante e após os desastres, como se observou nas situações de violência e abusos em abrigos temporários.
Outro ponto fundamental é a necessidade de avançar na regularização das terras ancestrais das comunidades indígenas, cujos territórios são impactados pelas mudanças climáticas. A falta de segurança jurídica e o não reconhecimento da relação especial com suas terras resultam em uma desproteção institucional que afeta o pleno exercício e gozo de seus direitos.
O relatório também adverte que a mudança climática gera novas formas de vulnerabilidade, como a social e a climática, que afetam pequenos agricultores, pescadores e comunidades ribeirinhas. Por isso, insta os Estados a elaborarem respostas participativas e intersetoriais, garantindo que as vozes das pessoas afetadas sejam ouvidas. Essa abordagem está em sintonia com o Acordo de Escazú – assinado em 2018 pelo Brasil, mas ainda não ratificado – que busca garantir o acesso à informação ambiental, a participação cidadã e o acesso à justiça, fortalecendo, em última instância, a cidadania ambiental. Nesse ponto, a relatoria manifesta preocupação com o acesso limitado às medidas de prevenção adotadas e à informação ambiental.
Além disso, o relatório destaca que o direito a um meio ambiente saudável – que implica, entre outras obrigações, a proteção dos ecossistemas, da biodiversidade, dos recursos hídricos e dos solos, todos afetados durante as inundações – exige que os Estados adotem normas e políticas públicas específicas. Alerta também para o risco representado pela adoção de marcos legais ambientais menos protetores (regressivos), que se afastam dos compromissos assumidos para a salvaguarda dos direitos humanos.