O Ministério Público Federal (MPF) apresentou, na última sexta-feira (13), recurso ao Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6) solicitando a condenação dos ex-gestores e das empresas Samarco, Vale, BHP Billiton e VOGBR pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, ocorrido em 2015. O pedido ocorre após a decisão da Justiça Federal em Ponte Nova, em novembro de 2024, que absolveu todos os réus do processo criminal referente ao desastre.
A decisão de primeira instância, assinada pela juíza Patricia Alencar Teixeira de Carvalho, absolveu executivos, funcionários e empresas, alegando não ser possível estabelecer relação direta entre as condutas individuais e o rompimento da barragem. “Os documentos, laudos e testemunhas ouvidas para a elucidação dos fatos não responderam quais as condutas individuais contribuíram de forma direta e determinante para o rompimento da barragem de Fundão”, afirmou a magistrada na sentença.
O processo, iniciado em 2016, teve seus réus divididos em dois conjuntos principais. O primeiro abrangia as consequências diretas do rompimento (mortes, lesões corporais e danos ambientais), e o segundo se referia à suposta falsidade de documentos e omissões de informações a órgãos ambientais. No “Conjunto de Fatos 1”, a denúncia do MPF atribuía à Samarco, enquanto proprietária da barragem, e às controladoras Vale e BHP, a responsabilidade por decisões técnicas e omissões que teriam aumentado o risco da estrutura — entre os crimes imputados estavam poluição ambiental, danos à fauna, flora, patrimônio cultural, 19 homicídios qualificados, desabamento e inundação.
Já o “Conjunto de Fatos 2” destacava a elaboração de declaração de estabilidade supostamente falsa pela VOGBR e seu responsável técnico, além de omissões na comunicação de informações sobre rejeitos da Vale à barragem.
Ao absolver todos os réus, a juíza destacou o papel subsidiário do direito penal diante de tragédias de grande proporção: “Impor ao Direito Penal um papel central na gestão de riscos extremos nem sempre é útil, adequado e racional”, escreveu. Ela também ressaltou que a sentença penal não interfere no acordo civil de reparação, firmado em outubro de 2024, que prevê aportes bilionários das empresas para atender aos danos causados.
Falhas técnicas
O MPF recorreu, pedindo que a sentença seja reformada, alegando que houve equívocos graves na avaliação do caso, tanto na análise do nexo causal quanto na aplicação da lei penal. No parecer entregue ao TRF-6, o procurador regional da República sustenta que a decisão de primeiro grau desconsiderou provas técnicas, laudos e alertas prévios sobre a instabilidade da barragem, o que, segundo o órgão, indicaria omissão dolosa ou dolo eventual dos gestores e das empresas.
De acordo com o parecer, “os gestores da Samarco tinham plena ciência técnica dos riscos de liquefação e colapso estrutural, diante de alertas reiterados de consultorias, relatórios técnicos e dados de monitoramento”, e a omissão diante desses sinais “configura incremento inadmissível de risco”. O MPF afirma que a decisão judicial incorreu em “erro de subsunção normativa”, ao exigir demonstração de uma relação causal direta nos moldes de crimes comissivos em contextos de omissão imprópria, onde basta a comprovação da relevância da omissão para o resultado.
O órgão também contesta a decisão de absolver as empresas, argumentando que a responsabilidade penal das pessoas jurídicas é autônoma, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. “A Samarco atuou como garantidora da segurança da estrutura, mantendo modelo de gestão orientado por metas econômicas em detrimento da segurança, mesmo após reiterados alertas sobre a instabilidade”, diz o MPF, destacando também a influência das controladoras Vale e BHP.
Em relação à VOGBR e ao engenheiro Samuel Loures, o MPF aponta que houve emissão de declaração de estabilidade da barragem sem base técnica adequada, caracterizando crime de prestação de informação falsa à autoridade ambiental.
A manifestação do MPF também rebateu a anulação de depoimentos do projetista Joaquim Pimenta de Ávila, determinada pela juíza, e afirmou não haver vício que invalide tais provas. O órgão ainda rejeitou alegações de nulidade processual apresentadas pelas vítimas e afastou a tese de parcialidade da magistrada sentenciante.
As defesas apresentaram contrarrazões ao recurso do MPF, argumentando que a sentença analisou corretamente os fatos, que não há nexo causal entre atuação dos réus e o desastre, e que não se pode atribuir responsabilidade penal objetiva a dirigentes ou empresas. No caso da VOGBR, a defesa sustenta que a declaração de estabilidade foi baseada em informações válidas à época e confirmada por auditorias independentes.
O MPF pede ao tribunal:
- a condenação das empresas Samarco, Vale e BHP pelos crimes ambientais ainda não prescritos;
- a condenação dos ex-gestores Ricardo Vescovi, Kleber Terra, Germano Lopes, Wagner Alves e Daviély Silva por crimes ambientais e comuns;
- a condenação da VOGBR e do engenheiro Samuel Loures por falsidade ideológica ambiental;
- e a aplicação de agravantes previstas na legislação ambiental.
No parecer, o MPF sustenta que a manutenção da sentença absolutória “contraria o acervo probatório, que comprova o conhecimento prévio dos riscos, a manutenção deliberada da operação e a negligência frente a alertas técnicos reiterados”.