Cientistas pediram a cerca de 30 apicultores de Manchester que recolhessem amostras de mel e as enviassem para análise num laboratório. O resultado deste projecto de ciência cidadã mostra como as abelhas oferecem informações preciosas sobre a qualidade do ar, do solo e da água no local onde vivem. Análises do mel permitiram cartografar a presença de metais e metalóides – por vezes bastante elevada, no caso do arsénico e do chumbo – naquela área metropolitana britânica.

“As abelhas estão a recolher néctar, pólen e água das plantas, que crescem num solo que pode estar contaminado, quer naturalmente, quer por impacto humano. Se o ambiente estiver contaminado, as flores apresentam uma ‘assinatura’ desses contaminantes que as abelhas levam depois para a colmeia. Durante o voo, estes insectos recolhem também poeira e outras partículas da atmosfera”, explica ao Azul Tony Walker, professor na Universidade Dalhousie, no Canadá.

O especialista em poluição ambiental esteve recentemente no Porto para participar no congresso ToxRun One Health Toxicology Unit, organizado pela Cooperativa de Ensino Superior Politécnico e Universitário (CESPU).

O mel da nossa região conta histórias sobre o local onde vivemos?
Sim, é verdade. É como se o mel funcionasse como um “canário na mina de carvão”, uma expressão muito usada no Reino Unido. No passado, os mineiros de carvão usavam canários nas minas porque estas aves são muito sensíveis aos gases tóxicos, alertando os mineiros quando o ambiente não estava seguro.

Da mesma forma, as abelhas são capazes de procurar alimento numa área muito pequena, num raio de até três quilómetros, alimentando-se do maior número possível de flores e regressando depois à colmeia. Mas, ao fazê-lo, as abelhas estão a recolher néctar, pólen e água das plantas, que crescem num solo que pode estar contaminado, quer naturalmente, quer por impacto humano. Se o ambiente estiver contaminado, as flores (e as próprias plantas) apresentam uma “assinatura” desses contaminantes, que as abelhas levam depois para a colmeia. Durante o voo, estes insectos recolhem também poeira e outras partículas da atmosfera. É por isso que o mel de abelhas nos diz muito acerca da poluição ambiental numa localidade.



O cientista Tony Walker sublinha que as colmeias são portáteis, desde que se tenha a abelha-rainha e a colónia é possível mudá-las para ambientes menos contaminados
Teresa Pacheco Miranda/arquivo

Realizaram um estudo envolvendo apicultores em Manchester, no Reino Unido. Pode falar mais dessa experiência?
Em vez de andarmos pela cidade a recolher amostras, eu e os meus colegas recorremos ao poder da ciência cidadã para capacitar os apicultores locais. Isto porque os próprios apicultores estavam interessados em conhecer melhor o mel que produzem. Antes de os abordarmos, os apicultores já se haviam voluntariado. Criámos então um projecto que envolvia os produtores de mel, para o qual obtivemos uma pequena bolsa de investigação do Governo britânico.

De que formas os apicultores participavam no estudo?
Entregávamos aos apicultores kits com instruções muito simples, que diziam para recolher uma colher de mel, colocá-la no recipiente e enviá-la por correio para os investigadores em Manchester. Ao todo, participaram 31 apicultores distribuídos por toda aquela área metropolitana do Reino Unido.

Os apicultores demonstraram alguma hesitação em participar? Ou revelaram medo de que os resultados fossem negativos para a reputação do mel que produzem?
Tenho a certeza de que poderá ter havido alguma hesitação, mas eu não estava a trabalhar no terreno nessa altura, entrei no estudo um pouco depois. Penso que foram enviados 35 kits pelo correio e que havia no documento uma caixa de verificação com a informação de que quem não se sentisse confortável com o estudo poderia recusar enviar a amostra. Houve quatro apicultores que decidiram, por qualquer razão, não enviar as suas amostras. Não sei se foi por estigma ou apreensão relativamente aos resultados. A nossa preocupação foi tornar o modelo de participação o mais simples possível e penso que foi por isso que conseguimos 31 amostras − o que é óptimo.



As concentrações de chumbo encontradas no mel de Manchester eram superiores às directrizes da Organização Mundial da Saúde
Environmental Advances/DR

Os dados são anonimizados?
A boa notícia é que esses resultados não são públicos, pelo que não estão relacionados com o facto de a amostra no norte de Manchester pertencer a uma empresa ou ao senhor X ou à senhora Y.

O que é que a ciência cidadã trouxe para o projecto? Seria possível chegar a este tipo de conclusões sem esse recurso?
Acho que sim, mas imagino que isso significaria recrutar estudantes licenciados e investir mais recursos. Teríamos de ir recolher amostras e passar muito tempo, semanas, possivelmente meses, a recolher esse material. Ao enviar os pacotes por correio para os cidadãos, os participantes tiveram apenas de recolher amostras das suas colmeias, na propriedade onde estão, e depois enviá-las para nós. Assim, o tempo de recolha de amostras é efectivamente reduzido, sendo o tempo gasto sobretudo na análise e na interpretação dos resultados.

Como é que podemos dizer que os metais que encontraram nas amostras são atribuíveis ao historial de industrialização Manchester? Como excluir a hipótese de metais que ocorrem naturalmente nos solos?
Essa pergunta faz sentido porque, de facto, se olhássemos para o mesmo mapa de Manchester e analisássemos as concentrações de cádmio no solo, também encontraríamos uma variação natural. O cádmio está presente na crosta terrestre, mas as concentrações elevadas estão normalmente associadas à indústria pesada e a contaminantes antigos ou à poluição do ambiente. Depois, há elementos como o arsénio: pode haver concentrações elevadas de arsénio no solo de Manchester, mas também pode haver concentrações elevadas se houver uma indústria pesada na área, pelo que nalguns casos ocorrem naturalmente e noutros são ocorrências antropogénicas.

Seria interessante aprofundar este estudo-piloto como um estudo de seguimento, com o objectivo de recolher amostras de solo, de águas subterrâneas e superficiais, bem como amostras de tecido vegetal nos mesmos locais onde estavam as colmeias − e depois fazer a correlação entre os dados.



As concentrações médias de arsénio e cádmio identificadas no mel de Manchester (180 e 398 microgramas por quilo, respectivamente) foram superiores aos valores médios globais
Environmental Advances/DR

Pensa que este tipo de estudo poderá oferecer-nos um mapa dos melhores locais para ter colmeias?
Certamente, mas em vez de utilizar a palavra “melhor”, penso que deveríamos pensar em evitar os locais de alto risco, onde as concentrações são claramente superiores às médias globais e, nalguns casos, muitas vezes superiores às directrizes da Organização Mundial da Saúde. Na apicultura, basta simplesmente deslocar a colmeia, transferindo-a em segurança para um novo local onde o mapa já indique que as concentrações são mais baixas. As colmeias são portáteis, desde que se tenha a abelha-rainha e a colónia.

Acredita que esse tipo de alteração geográfica de colmeias venha a acontecer neste grupo de 31 apicultores?
Sim. Estes 31 apicultores são todos membros da Associação de Apicultores de Manchester, pelo que pertencem a um clube local, por assim dizer. Muitos deles provavelmente conhecem-se uns aos outros e, por isso, nalguns casos têm as suas colmeias na própria propriedade e, noutros casos, têm colmeias na propriedade de um amigo, onde provavelmente têm um jardim maior com mais flores. Há cooperação e sentido de comunidade, pelo que esta lógica pode ser aplicada a estes apicultores.

Acredita que este é um exemplo de ciência cidadã que permite às pessoas terem dados para tomarem decisões informadas e com impacto?
Sim. Estes resultados também alertam os reguladores e as pessoas que monitorizam a poluição. No Reino Unido, seria interessante para a Agência do Ambiente, por exemplo. Utilizar os métodos tradicionais para monitorizar a poluição é muito caro. E isso é algo que os cidadãos estão dispostos a fazer apenas por puro interesse no seu produto. Muitos destes apicultores eram amadores, pelo que o faziam por lazer. Mas a informação que nos deram diz-nos que podemos procurar pontos críticos de poluição de forma muito eficaz e, depois, tomar decisões informadas sobre se queremos vender esse mel ou se queremos transferir a colmeia no ano seguinte para um novo local onde as concentrações seriam muito mais baixas.

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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