Durante séculos, a chuva foi sempre bem-vinda. Refrescava os campos, limpava o ar, alimentava os rios e nutria os seres vivos. Contudo, em meados do século XX, algo começou a mudar. Em algumas regiões da América do Norte e da Europa, as árvores começaram a adoecer, sem que se encontrasse razão para tal. Os lagos, previamente cheios de vida, iam-se tornando estéreis, aos poucos, e os peixes desapareciam. Até os solos se tornavam mais pobres e as folhas das árvores apresentavam queimaduras estranhas. O que estaria a passar-se?
O mais inquietante era que não se via nada, ou seja, não era uma seca, nem uma praga, nem um incêndio. Muito pelo contrário: era algo que vinha do céu, não sob a forma de raios ou tempestades, mas disfarçado de algo muito mais banal: a chuva. Não era uma chuva normal, mas uma chuva que estava a envenenar ecossistemas inteiros gradualmente. Os cientistas começaram a chamar “chuva ácida” a esta ameaça invisível. No entanto, não seria nada fácil convencer o mundo da sua existência.
OS PRIMEIROS A OUVIR A FLORESTA
Um dos primeiros cientistas a suspeitar que algo não estava bem foi Gene Likens, um jovem ecologista norte-americano. Em finais da década de 1960, enquanto estudava as florestas do nordeste dos EUA, começou a analisar quimicamente a água da chuva. Para sua surpresa, aquilo que encontrou não era só água: continha níveis anormalmente elevados deacidez. Na verdade, eram tão elevados como os do vinagre. Era como se o céu estivesse a despejar vinagre sobre as árvores.
Juntamente com a sua equipa, Likens identificou a fonte do problema: não se encontrava nas florestas, mas nas cidades e nas zonas industriais. As emissões de dióxido de enxofre e óxidos de nitrogénio, produzidas principalmente por centrais eléctricas a carvão e veículos, estavam a subir para a atmosfera, onde se misturavam com vapor de água e davam origem a ácido sulfúrico e ácido nítrico. E era precisamente essa chuva “modificada” que estava a matar as florestas.
Contudo, embora dispusesse de dados concretos, teve grandes dificuldades em ser levado a sério. Muitos políticos e empresários, e até outros cientistas, recusavam-se a aceitar aquela verdade incómoda: que a poluição poderia viajar centenas de quilómetros, atravessar fronteiras e arruinar locais distantes do seu local de origem. Há que ter em conta que o conceito era impressionante, pois propunha que uma fábrica na região do Midwest dos EUA poderia estar a afectar um lago no Canadá – e isto parecia-lhes ridículo… no início.

Gene E. Likens, posando junto ao cartaz da Hubbard Brook Experimental Forest, uma área que funciona como um laboratório de estudos ecológicos ao ar livre.
A EXPERIÊNCIA IMPOSSÍVEL DE IGNORAR
Enquanto Likens continuava a recolher dados, no norte de Ontário, no Canadá, outro cientista estava a preparar uma jogada decisiva. David Schindler, investigador do governo canadiano, liderava um ambicioso projecto na Área de Lagos Experimentais (ELA), uma área protegida distante onde era possível realizar estudos de grande escala sem afectar populações humanas.
Ali, Schindler e a sua equipa fizeram algo extraordinário: reproduziram artificialmente os efeitos da chuva ácida. Aplicaram soluções ácidas em doses controladas sobre alguns lagos para simular o que estava a acontecer na natureza. E o que viram foi impressionante: em poucos meses, os peixes morriam, os insectos aquáticos desapareciam, a água tornava-se turva e os ciclos naturais alteravam-se completamente. Foi assim que chegaram a uma conclusão: não era uma teoria, mas uma catástrofe em câmara lenta.
Graças a estas experiências, os cientistas conseguiram, finalmente, mostrar ao mundo que a chuva ácida tinha efeitos devastadores reais e mensuráveis. Houve, porém, um aspecto positivo: ao aprofundarem a sua investigação, descobriram que alguns microorganismos do solo e da água eram capazes de neutralizar parte da acidez, o que proporcionava alguma esperança. Se conseguissem diminuir a poluição, talvez a natureza fosse capaz de se recuperar. Ainda havia tempo para agir.


A Área de Lagos Experimentais é um conjunto de 50 lagos situados no norte de Ontário que é utilizada unicamente para experiências científicas.
A LEI QUE MUDOU O CÉU
A pergunta era: estaria o mundo disposto a mudar? A resposta foi, sem dúvida, lenta. As indústrias energéticas, sobretudo as que produziam electricidade utilizando carvão, rejeitaram as conclusões, argumentando que regularem as suas emissões seria oneroso, desnecessário e, desde logo, nocivo para a economia. Muitos governos, temendo o impacto político e económico, preferiram olhar para o outro lado.
Mas a comunidade científica não se rendeu. Likens, Schindler e muitos outros continuaram a publicar e dar palestras, alertando a imprensa e colaborando com organizações ambientais. Pouco a pouco, a opinião pública começou a ganhar consciência: as imagens de lagos mortos, florestas carecas e monumentos corroídos pela chuva começaram a encher as capas de jornais e outros meios de comunicação. Depois disso, as pessoas começaram a exigir acções.
No entanto, foram necessárias décadas de pressão para que as medidas chegassem: em 1990, os EUA aprovaram, finalmente, uma importante emenda à sua Lei do Ar Limpo, que obrigava as indústrias a reduzirem drasticamente as suas emissões de dióxido de enxofre e óxidos de nitrogénio. Passado pouco tempo, outros países seguiram os seus passos. A ciência tinha ganhado a luta: os níveis de chuva ácida começaram a diminuir e, embora a recuperação não tenha sido imediata, os danos foram contidos.