A propagação de águas residuais radioativas do local do desastre do reator de Fukushima-Daiichi para o Oceano Pacífico está “em sintonia com os padrões internacionais de segurança”, de acordo com um grupo de trabalho criado pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), o programa de defesa da energia nuclear da ONU, num relatório com data de 24 de dezembro de 2024.
A reportagem é de John LaForge, publicada originalmente no seu blog CounterPunch e reproduzida por Voces del Mundo, 24-02-2025. A tradução é do Cepat.
Desde que a Tokyo Electric Power Co., ou Tepco, propôs pela primeira vez o bombeamento de águas residuais provenientes do arrefecimento das três células de combustível fundidas a quente dos reatores de Fukushima para o Pacífico, a AIEA apoiou, encorajou e endossou o plano, apesar das suas próprias diretrizes formais publicadas desaconselharem o mesmo.
Em junho de 2023, o Dr. Arjun Makhijani, do Instituto de Pesquisa Energética e Ambiental, publicou uma crítica contundente à aprovação da AIEA, ao considerar que a poluição dos oceanos viola disposições fundamentais das Orientações Gerais de Segurança da própria agência.
O primeiro relatório da AIEA de 2023 sobre o plano de derramamento disse que o plano era “consistente” com suas normas e afirmou, mesmo antes do primeiro grande derramamento de água radioativa, que teria um “impacto radiológico insignificante nas pessoas e no meio ambiente”. Agora, o laboratório local da AIEA no Japão analisou os primeiros dez derrames ocorridos entre agosto de 2023 e outubro de 2024, conforme informou a Nuclear Engineering International.
A maior parte da radioatividade nas águas residuais bombeadas para o oceano provém do trítio, a forma radioativa do hidrogênio, e do carbono-14, nenhum dos quais pode ser filtrado da água que contaminam. No entanto, análises de 1,3 milhão de toneladas de refrigerante residual agora armazenadas em tanques mostram uma mistura complexa de outros isótopos altamente radioativos, como estrôncio-90, césio-134 e -137, cobalto-60, amerício, tecnécio e inclusive telúrio-127. Em 2018, a Tepco pediu desculpas pela falha ocorrida em seu gigantesco sistema de filtros na hora de separar todos os materiais prometidos, e disse que voltaria a filtrar repetidamente a água contaminada para tentar remover 62 isótopos diferentes transmitidos pelo reator antes de despejá-la no maior oceano do mundo.
A aprovação da AIEA é uma licença para copiar maus atores
A poluição radioativa oceânica do Japão deveria ter sido proibida com a Convenção sobre a Prevenção da Poluição Marinha por Despejo de Resíduos e Outras Matérias de 1972. Esta monumental lei internacional contra a eliminação de resíduos perigosos e radioativos no mar proíbe o despejo “de navios, aeronaves, plataformas ou outras estruturas artificiais”.
No entanto, foram concedidas isenções à utilização de grandes tubulações submarinas em Fukushima-Daiichi (Japão), La Hague (França) e Sellafield (Reino Unido), como se os enormes sistemas de bombeamento não fossem “artificiais”. De acordo com o Greenpeace, o sistema de processamento de plutônio de La Hague despeja anualmente 1,4 milhão de barris de resíduos radioativos líquidos no Mar do Norte, e Sellafield, no Reino Unido, bombeia 24 milhões de barris de líquido radioativo no Mar da Irlanda todos os anos.
Quando a AIEA afirma que o despejo oceânico do Japão está “em conformidade com as normas internacionais de segurança”, está referenciando e apoiando a contaminação radioativa globalizada.
O solo radioativo será espalhado por todo o país como aterro para a construção
Apesar dos riscos óbvios para os trabalhadores que o manuseiam e da ameaça de contaminação das águas superficiais causadas pelo escoamento da chuva e dos ventos, o governo japonês aprovou planos para permitir que 14 milhões de toneladas métricas de solo radioativo – e 300.000 toneladas métricas de cinzas radioativas dos incineradores – sejam utilizadas em projetos de obras públicas, como construção de estradas e ferrovias, e inclusive na agricultura “em todo o país”, segundo as notícias internacionais.
O governo chama o plano de “reciclagem”, mas os seus detratores se opõem sistematicamente, argumentando que os regulamentos federais proíbem qualquer utilização de materiais radioativos contaminados com mais de 100 becquerels de césio-137 por quilograma (Bq/kg). Os resíduos “mais quentes” devem ser eliminados como resíduos radioativos.
No entanto, o governo pretende permitir a utilização de solo (raspado de milhares de quilômetros quadrados que foram atingidos pela chuva radioativa das três fusões) que contém até 8.000 Bq/kg de césio, 80 vezes o limite federal. As três fusões de março de 2011 liberaram grandes quantidades de césio radioativo, que persiste no ambiente durante até 300 anos. (As florestas montanhosas nas áreas da chuva radioativa situadas a oeste de Fukushima não podem ter a camada superficial do solo removida, motivo pelo qual permanecem contaminadas com césio, que se espalha encosta abaixo sob fortes chuvas.)
Os monitores do Centro de Informação Nuclear Cidadão de Tóquio apontam que as regulamentações governamentais seriam violadas se o limite de 8.000 Bq/Kg fosse autorizado. Yumiko Fuseya escreveu no boletim informativo do CNIC: “Embora a Lei de Regulamentação de Reatores Nucleares estabeleça que apenas resíduos de 100 Bq/kg (becquerels/quilograma) ou menos podem ser reciclados, [o plano diz] que a ‘terra removida’ de até 8.000 Bq/kg pode ser reciclada, e este é um padrão duplo”.
Fuseya reclamou que o Ministério do Meio Ambiente do Japão “afirma que o ‘descarte’ inclui a ‘reciclagem’, embora o Artigo 41 da Lei sobre Medidas Especiais no Manuseio de Materiais Contaminados por Radiação não inclua a ‘reciclagem’”.
O jornal Yomiuri Shimbun informou em 5 de dezembro que cerca de 75% dos cerca de 14 milhões de toneladas de solo ensacado têm uma contagem de césio radioativo de 8.000 becquerels ou menos por quilo.
O CNIC também relata que o governo realizou experimentos agrícolas de arrepiar os cabelos no município de Fukushima, como o cultivo e a colheita de pepinos e rabanetes “em campos onde o solo [contaminado] foi coberto com terra normal”.
Assim como a Agência Internacional de Energia Atômica aprovou a dispersão de águas residuais contaminadas no Oceano Pacífico, em setembro passado a agência deu a aprovação final ao plano do Japão de utilizar o solo radioativo e as cinzas volantes (atualmente empilhadas em 14 milhões de bolsas de 1 tonelada) para projetos de obras públicas, alegando que o plano é “consistente com as normas de segurança da AIEA”.
Terremotos e tremores secundários
Como se os acidentes com o bombeamento de águas residuais, a contaminação do Oceano Pacífico com águas residuais radioativas e a dispersão de milhões de toneladas de solo contaminado com césio em propriedades públicas não fossem suficientemente perigosos, os terramotos e as suas réplicas no nordeste do Japão abalam sem cessar o local do desastre de Fukushima e ameaçam romper os gigantescos tanques que agora contêm 1,3 milhão de toneladas de águas residuais altamente radioativas. A frequência incessante dos terramotos também põe em perigo os meios de arrefecimento da água das 880 toneladas de combustível fundido do reator (ou “corium”) que ainda estão termicamente quentes e radiotivamente inacessíveis em algum lugar abaixo dos três reatores destruídos.
Em 23 de janeiro, depois de um terremoto de magnitude 5,2 ter abalado a região de Aizu, no município de Fukushima, o governo alertou sobre possíveis tremores secundários e instou a população a “permanecer alerta” a possíveis deslizamentos de terra e avalanches. No dia 4 de abril, um terramoto de magnitude 6,1 abalou a costa de Fukushima a apenas 76 quilômetros do local onde ocorreram as três fusões, muito mais próximo do que o megaterremoto de março de 2011, o maior registrado na história do Japão, que ocorreu a 130 quilômetros da costa.
Os trabalhadores da limpeza temem cada vez mais a contaminação
Após uma série de acidentes radiológicos relacionados com a limpeza da planta devastada, os trabalhadores da Tepco estão cada vez mais preocupados com a sua segurança. O jornal Asahi Shimbun relata que uma pesquisa realizada pela Tepco com seus trabalhadores revelou que mais de 40% da força de trabalho estava preocupada com os “problemas de radiação” no local de trabalho. Deste grupo, 52% disseram que a “contaminação física” era a sua principal preocupação, um aumento de sete pontos percentuais em relação à sua sondagem de 2023. A Tepco observou que a repetição de acidentes de exposição no local de trabalho provavelmente aumentou a preocupação dos trabalhadores.
Em outubro de 2024, dois trabalhadores foram hospitalizados após terem sido chamuscados por resíduos líquidos altamente radioativos provenientes de uma mangueira que estava desconectada no interior de um edifício de tratamento de águas residuais. E em fevereiro de 2024, cerca de 5,5 metros cúbicos, ou 5,5 toneladas métricas, de resíduos líquidos altamente radioativos jorraram de um “aparelho de absorção de césio” num edifício incinerador antes que um trabalhador notasse e fechasse uma válvula.
O Centro de Informações Nucleares Cidadão de Tóquio monitora de perto os acidentes de rotina que ocorrem em Fukushima e em toda a indústria nuclear japonesa.
Novo documentário: “Unfogging Fukushima”
O canal China Global Television Network (CGTN) produziu um documentário em inglês sobre as três fusões simultâneas de reatores e suas enormes liberações radioativas, que estreou em 31 de dezembro de 2024.
A cadeia de televisão anunciou a estreia com a seguinte observação: “Apesar dos grandes esforços feitos nos últimos 13 anos, problemas como o despejo de água contaminada com material radioativo no mar continuam a existir. A CGTN visitou a área mais afetada, mediu a radiação nuclear e investigou a verdade por trás das consequências duradouras do acidente”.
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