A mineradora decidiu seguir com suas operações apesar de já saber dos riscos antes mesmo dos rompimentos das barragens de Fundão (Mariana) e da mina Córrego do Feijão (Brumadinho).

Dez anos após o rompimento de Fundão, nenhuma das mineradoras (Samarco, Vale e BHP) foi responsabilizada criminalmente. A lama continua presente: nos rios, nas casas e na vida das pessoas atingidas que seguem lutando por justiça. O dossiê “A Verdade Sobre a Vale S.A. em Minas Gerais: compromissos e abusos” revela que muito antes dos rompimentos de barragens que devastaram comunidades inteiras, ceifaram vidas e contaminaram com rejeito tóxico uma bacia hidrográfica do Rio Doce ao oceano Atlântico, a Vale já estava ciente dos riscos e optou por seguir adiante sem tomar medidas efetivas de prevenção. 

Confira a matéria “A Verdade sobre a Vale em Minas Gerais: o dossiê”

O dossiê, elaborado pelo Instituto Cordilheira e pelo pelo Movimento pelas Serras e Águas de Minas Gerais (MovSAM), evidencia, com base em investigações do Ministério Público Federal (MPF) e documentos oficiais, que tanto o desastre-crime em Mariana quanto em Brumadinho poderiam ter sido evitados.

No documento intitulado “Relato Integrado 2022”, o então presidente da Vale, Eduardo Bartolomeo, afirmou:

“assumimos publicamente perante os mais diversos stakeholders o compromisso de atuar de forma estratégica para eliminar os riscos de nossa operação […]”

No entanto, o contraste entre o discurso e a prática expõe a insuficiência de ações da Vale, a falta de compromisso com a vida e com os territórios. Minas Gerais segue como epicentro dessa contradição; um estado profundamente marcado pela presença da empresa, que opera dezenas de minas de ferro e mais de cem barragens de rejeito, multiplicando riscos, impactos socioambientais e violações de direitos que ainda persistem.

Barragem de Fundão: negligência, fraudes e atrasos no processo de reparação

No caso do crime-desastre da barragem de Fundão, em Mariana, que completa 10 anos neste 5 de novembro, a Samarco (cujas sócias majoritárias são a BHP e Vale) já havia sido alertada sobre os riscos de rompimento desde 2013. O MPF apontou que as causas do colapso incluíram falhas no projeto estrutural e um ritmo acelerado de alteamento, mesmo com indícios de saturação da área. Durante quase três anos, a mineradora ignorou as advertências e não finalizou as obras dos drenos de segurança. Mais que omissão, houve irregularidades: o inquérito comprovou que a Vale depositou mais de 5 milhões de metros cúbicos de rejeitos da mina Alegria na barragem de Fundão sem a devida autorização ambiental, um fator determinante para o colapso.

Barragem de Fundão: negligência, fraudes e atrasos no processo de reparação

No caso do crime-desastre da barragem de Fundão, em Mariana, que completa 10 anos neste 5 de novembro, a Samarco (cujas sócias majoritárias são a BHP e Vale) já havia sido alertada sobre os riscos de rompimento desde 2013. O MPF apontou que as causas do colapso incluíram falhas no projeto estrutural e um ritmo acelerado de alteamento, mesmo com indícios de saturação da área. Durante quase três anos, a mineradora ignorou as advertências e não finalizou as obras dos drenos de segurança. Mais que omissão, houve irregularidades: o inquérito comprovou que a Vale depositou mais de 5 milhões de metros cúbicos de rejeitos da mina Alegria na barragem de Fundão sem a devida autorização ambiental, um fator determinante para o colapso.

O rompimento matou 19 pessoas e um nascituro, além de arruinar ecossistemas ao longo de toda a bacia do Rio Doce. A reparação, por sua vez, ficou a cargo da Fundação Renova, criada pelas  mineradoras responsáveis pela barragem em um acordo com o Estado. A fundação teve uma trajetória marcada por denúncias de fraude fiscal, propaganda enganosa, interferência no sistema judiciário e atrasos sistemáticos nos reassentamentos das famílias atingidas.

As críticas à chamada “repactuação” do acordo de reparação dos danos causados pela barragem de Fundão são numerosas.  Apesar de ser o acordo mais caro da história do país, estimado em R$132 bilhões entre recursos e obrigações, especialistas e atingidos apontam que ele mantém a lógica de exclusão social e institucional que marcou as negociações anteriores.

O Sistema Indenizatório Definitivo (PID), apresentado como avanço, repete os vícios do passado, de acordo com o dossiê: foi firmado sem participação efetiva das populações atingidas, em um processo conduzido por governos, empresas e instituições de justiça, no qual as consultas públicas ocorreram apenas após as decisões estarem praticamente tomadas.

Pessoas que não tiveram sua condição de atingidas reconhecida (milhares delas, mesmo após tanto tempo) recebem R$35 mil como compensação única, enquanto pescadores e agricultores têm direito a R$95 mil, além de R$13 mil pelo chamado “dano água”. Para movimentos e organizações de apoio à causa das pessoas atingidas, esses valores não cobrem sequer uma fração dos danos s econômicos, sociais e morais provocados pelo rompimento. O resultado é uma “reparação” que, em vez de restituir direitos, consolida um arranjo de conveniência, preserva a imagem das mineradoras e encerra judicialmente um desastre ainda em curso.

Enquanto isso, o Rio Doce segue assoreado por resíduos tóxicos e, a cada estação chuvosa, novas camadas de rejeito são revolvidas, comprometendo de forma contínua a pesca, o abastecimento de água e os modos de vida das comunidades ribeirinhas, incluindo povos indígenas e quilombolas.

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Barragem da mina Córrego do Feijão: tragédia anunciada em licenciamento único 

A barragem B1 da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, não era menos alarmante. Pouco tempo antes do rompimento, a empresa alemã Tüv Süd, que presta serviços de auditoria, emitiu um laudo que assegurou a estabilidade da estrutura. Laudo que, segundo investigações policiais citadas no dossiê, era falso. A Vale utilizou esse laudo para manter áreas administrativas, como o refeitório e os escritórios, na zona de maior risco, expondo seus próprios trabalhadores a uma tragédia anunciada.

Mesmo ciente das condições críticas da barragem, a mineradora seguia operando normalmente e obteve, inclusive, autorização para ampliar o complexo. O licenciamento ambiental, facilitado por alterações na legislação feitas sob medida para acelerar processos, foi viabilizado por meio de articulações entre a empresa e o poder público. Documentos e áudios obtidos pela Repórter Brasil revelam que a Vale participou de reuniões a portas fechadas com servidores estaduais para propor um “licenciamento único”, o que simplificou trâmites e reduziu etapas de controle ambiental.

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Essa manobra resultou na aprovação, pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM), do aproveitamento de rejeitos da barragem B1, justamente a que colapsou semanas depois, matando 270 pessoas, 2 nascituros e deixando sequelas profundas na região.

Essa manobra resultou na aprovação, pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM), do aproveitamento de rejeitos da barragem B1, justamente a que colapsou semanas depois, matando 270 pessoas, 2 nascituros e deixando sequelas profundas na região.

Mais uma vez, o acordo de reparação ocorreu entre governo, judiciário e a própria Vale, sem a participação efetiva das pessoas atingidas. O dossiê mostra que o acordo firmado após o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, no valor de R$ 37 bilhões, priorizou obras de infraestrutura de interesse da mineradora, como o Rodoanel Metropolitano, rota estratégica entre suas unidades produtivas. Além de ter economizado cerca de R$ 24 bilhões em relação ao valor inicialmente proposto pela Justiça, a empresa garantiu que boa parte da indenização se convertesse em benefícios logísticos próprios. 

Os crimes em Mariana e Brumadinho não foram tragédias inevitáveis, foram decisões corporativas. O dossiê revela um padrão de impunidade e reincidência que persiste até hoje, nas minas e barragens de todo o estado. Diante desse contexto, o acesso às informações e à verdade são ferramentas de denúncia, mas também de luta nas mãos das pessoas atingidas. Nesses 10 anos do rompimento da barragem de Fundão, o que permanece é a coragem do povo atingido de seguir em luta e de cabeça erguida. Isso pode ser percebido pelo lema desta efeméride: “a luta por justiça jamais será motivo de vergonha”. 

Leia o dossiê completo

 

Foto em destaque: Isis Medeiros / MAB

By Daniel Wege

Consultor HAZOP Especializado em IA | 20+ Anos Transformando Riscos em Resultados | Experiência Global: PETROBRAS, SAIPEM e WALMART

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